Nos afazeres do dia a dia o tempo pode escravizar. De uma coisa à outra, por vezes, somos tomados pela falta de tempo. Tempo do trabalho, tempo de ir para casa, tempo para resolver coisas na rua, tempo para os filhos, tempo para a pessoa amada, tempo para se amar, isto é, tempo para cuidar de si. E, nesta economia do tempo, onde precisamos dividir os nossos inúmeros afazeres em atividades parceladas, nos sentimos, em inúmeras ocasiões, com muito pouco tempo. « Ah, se o dia tivesse 30 horas… ou um pouco mais, talvez umas 42 horas… talvez tivesse tempo para tudo que fosse preciso resolver… ». Quem já pensou nisso alguma vez ?

O tempo marcado, o tempo vivido como parcelado e dirigido às inúmeras tarefas que vivemos no dia a dia é regido, conforme os gregos antigos, pelo deus Chronos. Ele é o deus do tempo cronometrado. Dele deriva a ideia de cronômetro, isto é, o instrumento para dividir o tempo em inúmeras parcelas de instantes e que deve se dirigir às atividades regulares da vida.

O duro é quando vivemos sob a égide e a exclusividade desta experiência. Nossa vida parece se dividir em inúmeras atividades que não tem fim. De uma atividade à outra, o tempo parece nos escravizar, parece nos aprisionar. O tempo de Chronos, como tempo cronometrado, é o tempo que nos devora, devorando a leveza para se fazer as coisas, nos levando a viver a vida de forma mecânica e sem criatividade. Claro, sabemos que a vida precisa de organização.

Daí uma pitada do tempo cronológico vem ganhar a sua importância. O tempo cronológico, como tempo de ordenação da vida social e subjetiva, vem ganhando a sua mais alta expressão na lógica neoliberal que invade, não somente, as empresas privadas, mas a vida da coisa pública, isto é, do Estado. O Estado, com suas instituições, vem ganhando o tom neoliberal da produção que não pode parar, das metas e objetivos muito precisos que precisam ser alcançados a todo custo, mesmo que isso venha a custar avaliações negativas dos funcionários e cargos comissionados. O tempo cronológico anda de mãos dadas com a lógica temporal do neoliberalismo.

No entanto, é preciso um pouco de ar fresco, senão a gente sufoca ! Daí os gregos inventaram mais um deus na sua cosmogonia ! Eles nos apresentam o deus Kairos. Este é o deus de um tempo criativo, de um tempo indeterminado e impreciso. Assim Pierre Boulez pensou a marcação de um tempo musical que não fosse cronometrado, mas, sim, de um tempo sem tempo onde a música pudesse se liberar das amarras cronológicas e previsíveis dos andamentos e ritmos. Kairos é o deus que nos fala do tempo das boas ocasiões. Saber o momento certo para decidir, para se falar aquilo que precisa ser falado, para se aproximar das pessoas, para se afastar quando se é necessário. Kairos é o deus de um tempo fluido e dançarino.

Tempo que nos indica o caminho para a criação, para a criatividade de uma vida que não se deixa, apesar de tudo, se aprisionar nas nossas obrigações e deveres. Este é o tempo das crianças que brincam e sabem criar a vida. Este é o tempo existencial que nos retira dos presídios que construímos, nós mesmos, nos nossos afazeres mais triviais. Este é o tempo existencial que nos libera dos manicômios que construímos quando desejamos controlar e ter poder sobre tudo e sobre todos.

O Kairos se revela quando cada um se deixa viver o tempo reflexivo que nos retira das amarras de uma vida aprisionada em deveres para vivê-la na ordem dos encontros nos quais e pelos quais a diversidade social se conecta para a produção de sentidos mais complexos sobre a vida em sociedade. Encontrar-se com os outros será abrir-se à novidade, ao inesperado e, assim, podermos nos abrir à experiência de outras formas de se viver o tempo.

Abraços

Paulo de Tarso