CIGARRAS DE MACAÉ – Neste 06 de outubro apresentamos texto de nosso querido Amigo Genial, Dunga, Luiz Cláudio Bittencourt:

Lá pelos idos de 1970, fui morar em uma pensão em Niterói para fazer vestibular – Medicina! Foram três anos de gandaia, muito violão, noitadas no bar do Seu Nelson e adjacências, namoradas, mas nada de passar no dito vestibular. Tempos tumultuados em minha vida! Eu, o filho problemático do Zé Luiz, voltei para casa sem diploma algum. Hoje, tenho profundo arrependimento por não ter uma profissão preferencialmente técnica. Mas, de uma maneira ou de outra, deixo algum legado em forma de arte ao mundo!

A pensão era a da Dona Ritoca, no bairro Ingá. Nessa pensão, o básico de moradores era formado por pessoas de Campos dos Goitacazes, Cambuci, Santo Antônio de Pádua e Macaé. Havia outros de lugares diferentes, inclusive de outros países, mas eram poucos. Dona Ritoca dizia que o comediante Ari Leite também tinha morado ali – o seu mais ilustre hóspede! Éramos mais ou menos cinquenta homens, morando em um enorme e antigo casarão, de onde tenho grandes saudades! O número 191 da Rua Lara Vilella.

Mas vamos ao assunto principal desta crônica – um caso que ocorreu entre o professor Ivan e o nosso pequenino garçom, chegado do interior do estado, para trabalhar na pensão.
Até então, o almoço era servido pelo Jorge, um dos trabalhadores da casa, em uma grande sala com três ou quatro mesas. Um lugar claro e bem ventilado, do jeito que eu gosto!

Certo dia, eis que no lugar do Jorge surge um garoto, extremamente branquinho, com uns 13 anos mais ou menos, parecendo pequenino para a idade, a servir as bandejas com as refeições. O nome dele era Toniquinho. Dentucinho e esperto que só ele! Ia para a cozinha com a bandeja e rapidamente já estava de volta à sala. Feito para esse serviço! Deslizava por aquelas velhas tábuas do assoalho como se patinasse no gelo, bandeja lotada e equilíbrio perfeito!

Certa vez, na hora dessa lida, alguém gritou: “Aí, professor Ivan, se está atrasado para o serviço, peça ao Toniquinho para trazer logo a sua comida!” O menino olhou para o Ivan, aproximou-se e perguntou: “O senhor é professor de verdade? Daqueles que os alunos respeitam e ficam quietos? E que pode até botar de castigo?” O Ivan confirmou que sim, que era professor de matemática em uma escola ali no Ingá. O pequenino ficou maravilhado por poder servir a um professor. Um mestre do ensino! A partir dessa data, a primeira refeição a ser servida era sempre a do PROFESSOR IVAN, que precisava almoçar rápido para ensinar aos seus alunos!

Todos nós gostávamos muito do Toniquinho! Moleque bom, flamenguista doente, sempre recebia muito bem as nossas namoradas e familiares que iam até a pensão nos visitar. Curioso e inteligente! Eu, pessoalmente, adorava aquele moleque e sua esperteza!
Um dia, na hora da correria do almoço, por infelicidade o professor resolveu beliscar, de sacanagem, a bunda do Toniquinho que era um pouco empinada. A reação foi imediata! Pulou com a bandeja, olhou bem dentro dos olhos do professor e soltou este míssil: “Um homem que não se dá ao respeito, não merece respeito! Professor de merda!” E o nosso querido branquinho foi aplaudido de pé por todos, ao som de muitos risos! E nesse dia infeliz, o professor foi o último a ser servido, e chegou atrasado à sua turma de alunos.

Longe de ser pedofilia, esse beliscão foi somente uma brincadeira de mau gosto, feita por um cara muito sacana. Mas o preço que ele pagou foi grande! O professor tentou se desculpar com o nosso pequeno garçom, mas em vão. Não teve papo! Todos os dias o mestre ficava no CASTIGO: era o último a ser servido! O melhor que conseguia era, de vez em quando, ser o penúltimo. Reclamou com a Dona Ritoca, que chamou a atenção do nosso garçom, mas não teve jeito! Alguém explicou para ela o que havia acontecido, e ficou o dito pelo não dito. E o Ivan, no CASTIGO!

O Toniquinho estava decepcionado. Traído em sua admiração! O Ivan não encontrava maneira de se desculpar pela brincadeira tão cretina. Mas, com o tempo, já não era mais o penúltimo a ser servido, ficava junto com os do meio. Aí ele teve uma iluminada e prática ideia: passou a pegar o seu próprio almoço na cozinha, servido por Dona Maria e Dona Amélia, dois anjos que cuidavam da gente. Como eram extremamente carinhosas essas duas servidoras da casa! A minha saudade a todos eles, sempre! E o meu fraterno abraço!
Certo dia, o professor apareceu na pensão com um fusca novinho em folha, de um verde lindo de doer! Havia acabado de comprar.

Escolheu quatro pessoas, inclusive eu, para um passeio por Niterói, a título de inauguração do carro novo. E, com toda humildade e respeito, convidou o Toniquinho, que iria sentado no banco da frente e de cara para a paisagem. O professor havia feito poucas aulas de direção e nem tinha ainda conseguido a carteira de habilitação, mas, mesmo assim, resolveu nos levar a um passeio pela Estrada Froes, de curvas bem acentuadas. E lá fomos nós! Tudo ia muito bem até que, em uma dessas curvas, o carro saiu um pouco de lado. E veio a grande frase do Toniquinho: “Onde fica o fueiro, professor?” O grande susto que havia se estabelecido foi logo substituído por uma grande risadaria, pois fueiro são varas que existem nos carros-de-boi, para segurar as esteiras que o contornam, ou ajudar no equilíbrio de pessoas que neles andassem. Nesse dia, finalmente, o Ivan comprou o perdão do nosso inesquecível pequeno grande garçom. E saiu do castigo!

Um dia, na hora do almoço, não havia mais o Toniquinho para nos servir. Do mesmo jeito como chegou, foi embora entre o De e o Repente, segundo o pessoal, de volta para a sua terra. Nunca soube o porquê desse retorno. Deixou, acredito que em todos nós, saudades e boas lembranças. Que Deus tenha olhado por ele em seu retorno e provido o seu caminho de melhores oportunidades. Falo em meu nome e também no de todos que por aquele molequinho tão alegre foram servidos durante um bom tempo. E o mestre Ivan aprendeu uma grande lição: – o castigo é uma via de mão dupla!

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Aurora Ribeiro Pacheco